Passou ontem na RTP, no linha da frente, o que foram os últimos anos da minha vida, até conseguir sair da urgência. O Luís expressou exactamente o que senti nos primeiros anos, quando cheguei, vinda do Garcia de Orta de uma área totalmente diferente e eu, que tinha dito a mim mesma, ainda durante o curso, que nunca iria trabalhar numa urgência vi-me fascinada pelo mundo da emergência pela mão do Amaro e do Rocha com quem aprendi a gostar daquilo. O resto foi investimento próprio. Não fui eu que me joguei ao chão, foi aquela vida que me levou ao chão. A história dos últimos 12 anos da minha vida em 30 minutos.
Ser enfermeira não é só o domínio da técnica, nem sequer o saber, é sobretudo o saber viver ou como sobreviver quando os recursos, os nossos e os dos outros, estão no limite. Não aguentei o sofrimento e vi -me embora. Não me arrependo. E se mantenho ainda alguma saúde mental agradeço a quem me salvou do inferno onde me sentia. Durante algum tempo continuei a hiperventilar sempre que me aproximava daqueles corredores. Ainda hoje evito ao máximo lá entrar. Não pela equipa mas porque as lembranças do sofrimento superam em muito os bons momentos que lá vivi. Não tenho saudades.
Aos poucos fui redescobrindo no último ano o porquê de me ter apaixonado por esta profissão. Todos temos algo a aprender. Muitos têm muito a ensinar. Ontem à tarde fiz uma pessoa feliz e isso é o melhor que a profissão me pode dar. Não pedi autorização ao conselho de administração para filmar as instalações mas pedi consentimento à doente, que deixou e adorou. A letra é dela. A voz é dela e sobretudo a alegria também é dela. Escreveu este fado aos 38 anos, quando a vida não lhe foi fácil e canta-o aos 77 com um orgulho que dá gosto ver.
Espero também eu que a vida me ensine a olhar para trás com orgulho das decisões que fui obrigada a tomar na vida. Porque ser enfermeira é também isto, decidir, quando está toda a gente ocupada de mais para conseguir perceber tudo o que acontece à nossa volta.
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